'O Anjo de Timor ' / 'Anju Timór niam'

>> 20081216

Imagem: “O Anjo de Timor”, Graça Morais/Sophia de Mello Breyner, 2003, "O Anjo de Timor/Anju Timór niam (PDF)".

«Em 1991, a autora selecciona poemas para a infância e adolescência de autores de países lusófonos. Uma espécie de iniciação à poesia. E deixa um pedido: "Espero que estes poemas sejam lidos em voz alta, pois a poesia é oralidade." Em 1992, oferece ao padre Nuno Higino uma história, "O Anjo de Timor". Graça Morais ilustra-a e é publicada no final de 2003. De novo o talento e a sensibilidade de quem procura furiosamente a verdade e uma ordem cósmica - Sophia.» (Sophia de Mello Breyner Andresen e a sua obra para crianças e jovens, por José António Gomes).

« Há muitos, muitos anos, em Timor, vivia um liurai muito poderoso e muito bom. Na sua juventude, resolveu ir correr mundo, para se tornar mais sábio.

Foi viajando de barco, de ilha em ilha, até chegar a uma terra distante. Ali, um dia, conheceu um mercador vindo de muito longe, dos países do lado do poente, e que também ele andava há longos anos em viagem.

Esse mercador contou-lhe que, na sua viagem, tinha ouvido contar que, ainda muito mais longe, para além das montanhas, oceanos e dos imensos desertos de areia, vivia um povo que adorava um Deus único e todo-poderoso, criador de todas as coisas e do próprio homem. Acredita que o seu Deus, um dia, descerá à Terra para salvar todos os homens.

- Quero ir ao país onde mora esse povo - disse o timorense. - Quero ouvir mais notícias do Deus que um dia descerá dos céus e viverá entre nós.

- Ai, é impossível - respondeu o mercador. - Esse país fica tão longe que, mesmo se viajasses a tua vida inteira, não conseguirias lá chegar.

E assim ficaram falando toda a noite, mas, no dia seguinte, o mercador partiu de barco para a sua terra. Quando o barco desapareceu ao longe, o liurai pensou:

- Já vi tantos lugares e tantos povos, mas não posso encontrar o povo que adora o Deus único, porque, mesmo que viajasse a vida inteira, não conseguiria lá chegar. Por isso, de que me serve viajar mais?

E voltou para a sua terra.

Foi uma viagem longa, comprida e difícil. Quando chegou à sua casa era alta noite e já todos dormiam. Estava tão cansado que, mal entrou, adormeceu estendido no chão. E enquanto dormia, ouviu em sonhos uma voz que lhe disse que esperasse, esperasse sempre, pois um dia, a meio da noite, Deus lhe mandaria um sinal.

Na manhã seguinte, a família do liurai recebeu-o com grande alegria, porque a viagem durara anos e anos, e já ninguém sabia se ele era vivo ou morto. Os seus pais mandaram chamar parentes e amigos e nessa tarde todos cantaram e dançaram para festejar o seu regresso. mas quando todos partiram e os que moravam com ele adormeceram, o liurai foi-se sentar à porta da sua casa, à espera do sinal de Deus. Ali ficou, mudo e atento, e só depois do meio da noite foi dormir.

Daí em diante, foi sempre assim. Durante o dia, o liurai encontrava-se com os seus amigos e parentes e presidia à vida e aos trabalhos da população. Era um chefe amado e respeitado, porque era bom, justo e sábio.

Mas à noite, quando todos tinham adormecido, sentava-se de novo sozinho, à porta da sua casa, à espera de um sinal de Deus. Escutava os barulhos da noite, o suspiro do vento nas árvores, a voz do mar ao longe, respirava os perfumes da noite - cheiro da terra, aroma das flores, aroma do sândalo, cheiro distante do mar. Olhava sem fim o brilho das estrelas.

À medida que os anos passaram, ia envelhecendo, mas todas as noites se sentava à entrada da sua casa, à espera do sinal de Deus. Pousava sempre ao seu lado a pequena caixa de sândalo, que tinha lá dentro as pedrinhas com as quais na sua infância jogava o hana-caleic.

E, de vez em quando, abria pequenas poças na terra e, como na sua infância, brincava com as pedras do caleic.

Mas às vezes tinha medo da noite e sentia-se sozinho, como se Deus não o estivesse a ver. Então dizia:

- Meu Deus, não me abandones. Vê-me

E numa noite assim, quando ele se sentia tão cansado e tão só, mais uma vez levantou a cabeça e olhou para as estrelas. Então viu levantar-se do Oriente uma grande estrela claríssima e luminosa que, muito devagar, atravessava o céu.

E o universo inteiro ficou mudo e atento. De súbito, uma voz altíssima cantou:

- Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos homens de boa vontade.

E o liurai viu na sua frente um jovem todo vestido de luz. E reconheceu que ele era o mensageiro de Deus, porque na sua cara brilhava uma alegria imensa.

E o jovem disse:

- Alegra-te, liurai, porque o Deus que tanto tens esperado se fez homem e desceu hoje à terra. É uma criança recém-nascida e está deitado num curral de animais, em cima de um molho de palha. mas todos os anjos lhe cantam louvor e em breve chegarão os pastores para o adorar. E dentro de poucos dias chegarão os três reis magos do Oriente, que vêm seguindo a estrela. Eles, de joelhos, adorarão o Menino e cada um lhe há-de oferecer um presente. Gaspar traz uma caixa com oiro, Melchior uma caixa com mirra e Baltasar uma caixa com incenso.

- Quero ir com eles, exclamou o chefe timorense.

- É impossível. Belém fica tão longe que, nem que caminhasses a tua vida inteira, lá chegarias.

- Então tu, anjo, que és mais rápido que o pensamento, leva a meu presente ao Menino. É uma caixa de sândalo que tem lá dentro as pedras com que eu brincava ao caleic quando era pequeno.

- Foste tu o único que te lembraste de Lhe mandar um brinquedo. Quando os reis chegarem - respondeu o anjo -, eu estarei com eles e poisarei a tua caixa em frente ao Menino!

Mal o anjo desapareceu, o liurai encostou-se a um pilar da sua casa e adormeceu na paz do Senhor.

A partir de então, sempre que se celebra o Natal, o anjo de Timor ajoelha-se ao lado dos reis magos, em frente ao presépio que há no céu, e oferece ao Menino o presente do velho liurai.

Este Natal, o anjo de Timor ajoelhou-se e disse:

- Menino Deus, Príncipe da Paz, Deus Todo-Poderoso, lembra-te do povo de Timor que por ti foi confiado à minha guarda. Senhor, escuta as suas preces, vê o seu sofrimento. Libertai-os do seu cativeiro, dai-lhes a paz, a justiça, a liberdade e a plenitude da Vossa graça. Glória a ti, Senhor!

(Sophia de Mello Breyner, in Diário de Notícias 29 de Dezembro de 1991)

2 comentários:

Anónimo,  sábado, 20 de dezembro de 2008 às 02:37:00 WET  

Lindo, Lindo...

Acho que desta vez o Menino Jesus ouviu os pedidos do anjo de Timor.

Feliz Natal a todos.

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