Chomsky vê Obama como "o maior sucesso" do marketing - exclusivo RTP, fonte: RTP

>> 20090319

Barack Obama é um produto da “indústria de relações públicas que governa as extravagâncias quadrienais denominadas eleições”. A avaliação tem a assinatura do académico norte-americano Noam Chomsky, que, em entrevista ao site da RTP, desmonta a ideia de “mudança” da “marca Obama” e aponta a satisfação de “nacionalistas de direita” e “elites corporativas”.

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No trajecto para a Casa Branca, Barack Obama apresentou-se como um agente de “mudança” e “esperança”. Muitos consideraram hipnótica a retórica do candidato democrata e grande parte da Europa viu em Obama uma figura histórica capaz de restaurar a ideia de uma América farol da liberdade e da democracia, longe da perspectiva do antigo secretário da Defesa Donald Rumsfeld, que opunha os Estados Unidos à “velha Europa”. Na realidade, o que é que a Europa e o resto do Mundo podem esperar do 44.º Presidente?

Pessoalmente achei a retórica irritante, não hipnótica.

A melhor descrição da sua campanha foi dada pela enorme indústria de relações públicas, que governa as extravagâncias quadrienais denominadas “eleições”. A principal publicação da indústria atribui um prémio à melhor campanha de marketing do ano. Em Dezembro deram-no a Obama, que bateu os computadores da Apple.

Figuras de topo da indústria ficaram maravilhadas com o sucesso do marketing da “marca Obama”, através dos mesmos métodos utilizados para vender pasta de dentes e automóveis: não pelo fornecimento de informação sobre o produto, como sabem todos os que já viram anúncios de televisão, mas antes pela ilusão, pela imagética e pela “retórica ascendente”.

Os executivos revelaram que têm vindo a comercializar candidatos como produtos desde a campanha de Reagan e que este foi o seu maior sucesso até à data. Vai ser um modelo para conselhos de administração e campanhas de publicidade, acrescentaram.

Eles comercializaram a “marca Obama” colocando a ênfase em alguns chavões vagos como “esperança” e “mudança em que pode acreditar”, enquanto ofereciam um cheque praticamente em branco no qual as pessoas poderiam inscrever os seus desejos e sonhos.

Os americanos não foram tão iludidos como os europeus. Talvez porque estão mais familiarizados com os anúncios comerciais.

Um facto assinalável sobre as eleições foi o de a margem de vitória ter sido tão pequena. Era expectável que o partido da Oposição conseguisse uma vitória larga, quando 80 por cento da população pensava que o país estava a caminhar na direcção errada, que tínhamos atravessado oito anos do pior desempenho económico de qualquer Presidente do pós-II Guerra Mundial, que a economia estava em colapso, que a posição dos Estados Unidos no Mundo tinha caído para um mínimo histórico e que virtualmente tudo aquilo em que a Administração Bush tocasse se transformaria numa catástrofe. Mas Obama perdeu entre os americanos brancos e, se a crise financeira tivesse sido adiada, poderia nem sequer ter vencido, embora tivesse de longe o maior financiamento, sobretudo da indústria financeira, que o preferia a McCain.

Mas foi tudo apenas retórica e marketing, ou houve alguma substância na agenda de “mudança”?

Haverá certamente alguma mudança. Qualquer candidato se teria afastado do extremismo radical da Administração Bush.

Encerrar Guantánamo, permitir a investigação com células estaminais e alguns passos domésticos rumo ao centro que Obama tem empreendido são bem-vindos pelas elites corporativas. Não há muito mais a assinalar.

O professor sublinhou, num texto recente, que as escolhas do Presidente Obama para o Executivo agradaram, de certa forma, aos republicanos. Há mesmo quem diga que até os neoconservadores estão a aplaudir. Que medida de “mudança” pode a nova Administração produzir se o gabinete de Obama está assim tão inclinado para um tal nível de consistência face a políticas anteriores?

Não há qualquer razão para supor que eles alguma vez tenham desejado muita mudança.

A crise económica assume agora a prioridade, é claro. Obama virou-se imediatamente para as pessoas que foram instrumentais ao criá-la: Robert Rubin, Lawrence Summers e outros como eles.

Eles vão instituir a mudança, sem dúvida, agora que as suas doutrinas fundamentalistas foram completamente refutadas. Vai haver, certamente, alguma regulação de instituições financeiras e instrumentos exóticos, talvez mais ainda se a economia que ajudaram a desenhar resvalar para a catástrofe.

Nos Negócios Estrangeiros, as escolhas de Obama agradaram, com efeito, aos nacionalistas de direita, compreensivelmente.

Hillary Clinton como secretária de Estado, James Jones como conselheiro de Segurança Nacional, Dennis Blair como director de Informações e, finalmente, o secretário da Defesa de Bush, Robert Gates, perpetuado no cargo. Será esta equipa de segurança nacional a melhor escolha para promover a política internacional de “poder inteligente”? E terá o conceito algum significado real, à luz dos recentes acontecimentos na Faixa de Gaza?

Não há mais razões para esperar “poder inteligente” com Obama do que sob o segundo mandato de Bush, que foi muito diferente do primeiro, depois de extremistas do tipo de Rumsfeld, Wolfowitz e Feith terem sido expulsos: eles não puderam remover Cheney porque, essencialmente, ele era a Administração.

Gaza foi um bom teste. Obama permaneceu em silêncio sob o pretexto de que “há um único Presidente”, o que não o impediu de falar sobre uma gama de outros assuntos, domésticos e internacionais.

Sabemos de fontes israelitas que a invasão foi meticulosamente planeada. Certamente pelo desenho, acabou imediatamente antes da tomada de posse, para que Obama pudesse produzir nada mais do que alguns chavões sobre a sua dor perante as baixas civis em ambos os lados.

O seu primeiro discurso sobre política externa recaiu sobre Israel e a Palestina. Ele é uma pessoa inteligente e as palavras foram cuidadosamente escolhidas. Depois de sublinhar que a segurança de Israel é a sua primeira preocupação, mencionou outra proposta substantiva: o apelo da Liga Árabe no sentido de uma solução de dois Estados nos termos do consenso internacional que os Estados Unidos e Israel têm bloqueado nos últimos 30 anos e, nesse contexto, a normalização de relações com Israel.

Obama omitiu o núcleo da proposta e exortou os Estados árabes a avançarem para a normalização. Dificilmente poderia ter afirmado de forma mais clara que está comprometido com o caminho de rejeição dos seus predecessores. É um assinalável salto de fé divisar qualquer recurso ao “poder inteligente” ou expectativa de “mudança”.

Ao deixar a Casa Branca, George W. Bush disse várias vezes que aguardava um julgamento bondoso da História. O Presidente Obama quer desviar as forças militares dos Estados Unidos do Iraque para o Afeganistão. Poderá Bush obter o seu desejo, se a estratégia da Administração Obama para o esforço de guerra falhar?

É possível. No Afeganistão, Obama está a seguir políticas mais militaristas e violentas do que Bush e a ignorar por completo as alternativas pacíficas, que existem.

O Presidente Karzai terá provavelmente espelhado a opinião afegã quando, na sua primeira mensagem enviada a Obama, pediu o fim dos ataques contra civis e defendeu um calendário para a retirada das forças estrangeiras, sobretudo dos Estados Unidos. É claro que ele foi completamente ignorado, excepto na afirmação de que se estaria a tornar pouco digno de confiança e que poderia ter de ser afastado.

Não deveria o Paquistão ser a prioridade?

Graças ao apoio de Ronald Reagan ao malicioso ditador Zia ul-Haq, o Paquistão foi significativamente “islamizado”, com o recrudescimento de correntes fundamentalistas radicais que têm causado danos severos ao país.

O Paquistão é agora vulgarmente descrito como o país mais perigoso do planeta e não de uma forma irrealista.

Inverter estes desenvolvimentos deveria ser uma prioridade muito alta. Não há sinais disso no planeamento de Obama. Na verdade, Afeganistão e Paquistão nem sequer apareceram entre os assuntos de política externa no site da campanha de Obama.

A Administração Obama prometeu fazer vingar uma nova estratégia e gastar milhares de milhões de dólares – “dinheiro dos contribuintes”, como o Presidente afirmou – para salvar a economia dos Estados Unidos. Até onde pode Barack Obama levar a promessa de uma estratégia que, nas suas próprias palavras, “faça o crédito fluir para empresas e famílias”?

Os economistas, de uma forma geral, mostram-se cépticos. Muitos recomendam um pacote de despesa muito mais alargado.

Os planos para resgatar o sistema bancário, que está quase na bancarrota, motivaram ainda mais cepticismo.

É incerto que alguma coisa possa ser feita, a não ser que o Governo assuma, basicamente, o controlo dos bancos, investigue os negócios ocultos e os obrigue a suster a economia ao invés de acautelar os interesses de directores e do núcleo dos accionistas ricos – ou passe a controlá-los por completo.

Barack Obama veio a público com a ideia de um ataque contra “a arrogância e a ganância” em Wall Street. O Presidente dos Estados Unidos citou mesmo algumas firmas que, “enquanto se candidatavam à assistência dos contribuintes, pagaram vergonhosamente quase 20 mil milhões de dólares em prémios de 2008”. Estará a equipa de conselheiros financeiros e económicos de Obama – e a sua escolha para o Tesouro, Timothy Geithner – à altura da tarefa?

O país está de tal modo indignado com Wall Street que está quase preparado para a desfazer em pedaços.

Qualquer Presidente estaria obrigado a ter algum gesto que indicasse que partilhava esses sentimentos. Obama fê-lo e impôs um limite de meio milhão de dólares para as compensações anuais de directores de bancos resgatados pelos contribuintes. No momento em que as regras estão a ser escritas, é incerto que venham a aplicar-se a mais do que uns poucos.

Quanto a saber se os conselheiros estão à altura da tarefa, depende do que for a tarefa. Eles poderão ser capazes de direccionar fundos públicos para reconstituir algo como o sistema de autoridade e privilégios que tão miseravelmente falhou na satisfação das necessidades do público e das gerações futuras.


in RTP aqui


Abaixo, cerca de 2 minutos e uma clareza necessária e permanente...


Agradecimentos a: http://www.youtube.com/user/thgalindo

1 comentários:

Anónimo,  sexta-feira, 20 de março de 2009 às 03:52:00 WET  

Chomsky é guru... sem dúvida!
Politicamente incorrecto?
Sim e ainda bem. No coro dos cardeais a voz dissonante é bem-vinda faz muito tempo.

Alturas houve em que os livros de Chomsky, os poucos que se poderiam encontrar numa determinada biblioteca municpal, duma pequena cidade de doutores, estavam catalogados em categoria X... não podiam sair do espaço! Sem se falar dos meses a fio que se encontravam em secção "de restauro". A mais fabulástica das mentiras... é obra!

A "censura" democrática, pré-CEE... já ninguém se lembra disso?

Agora espremem-se em adoptá-lo... ou não. Há sempre uns mais inteligentes que outros... tou farto deles e delas...

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